Gritos e silêncios

(Palavra do Presidente veiculada na edição nº. 6 do Jornal da ACASE) Alguns gritos ainda martelam em minha mente. Não me refiro a volume. Nem sempre gritos se medem por decibéis. Falo de desespero, agonia, urro da alma: “Você pode ir lá reconhecer o corpo da minha filha?”; “Não tenho comida para dar às crianças”; “O remédio acabou em casa e no posto de saúde, vocês podem me ajudar?”; “A mãe quer batizar a criança antes de a bebê falecer, vocês a batizam?”; “Vão me visitar mesmo? Ninguém me visita”; “Eu quero mudar de vida e criar meu filho”. Esses são alguns dos apelos dirigidos a mim, por acolhidos da ACASE, ao longo de 2024. Eu bem poderia fazer deste texto retrospectivo do ano encerrado um memorial das conquistas da associação. Viria em boa hora não só pela alvorada do novel 2025, mas também porque a ACASE completará um ano de fundação em 22 de janeiro. Nesse tempo, acolhemos mais de cem famílias no Hospital Materno Infantil de Brasília; colocamos a Tenda do Acolhimento para funcionar na área externa do hospital; fizemos o Dia das Crianças da ACASE para 150 crianças do Sol Nascente (DF); distribuímos dezenas de cestas básicas; promovemos o Natal Solidário da associação. Não faltaram beneficências. Mas destaco os “gritos”, todos angustiantes, impactantes, porque eles me impedem de acomodar-se. Relembram-me o propósito. Empurram-me à missão de levar, aos enfermos, oração; aos famintos, alimentos; aos carentes, amor; e a todos, Cristo. Desperta-me espiritualmente para o realizar de Mateus 25:35-40, enquanto a carne me implora pelo comodismo: “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram”. ― Então, os justos lhe responderão: “Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?”. ― O Rei responderá: ‘Em verdade lhes digo que tudo o que vocês fizeram a algum desses meus pequenos irmãos, a mim o fizeram’”. Os donos dos “gritos” são vidas oprimidas que levam seus fardos num trote lento. Poucos os veem, poucos se importam com eles. São os invisíveis de rostos e corpos marcados, de odores acentuados, de falas bombásticas ao interior de quem lhes acolhe. Pedem-nos que reconheçamos o corpo da filha em seu lugar por medo de não suportar mais este evento em sua cruel trajetória; Clamam-nos por socorro com comida porque já ouvem o ronco da fome na barriga dos filhos; Suplicam-nos o remédio faltante apavorados pelo risco da piora médica do rebento; Imploram-nos o batismo da filha em travessia tementes da morte eterna; Aceitam a visita domiciliar esperançosos de alguém lhes bem-querer; Confessam-nos o desejo por mudança de vida, largando o crime, em gratidão pela cura do filho enfermo. Para acolher pessoas em situação hospitalar, é preciso que o grito da alma seja escutado. Mesmo que esse grito prescinda de sons, falas, e seja ele o silêncio. Digo porque, certo dia, notei a presença de uma moça embaixo de uma árvore do bosque do HMIB. Passados dez minutos, ela continuava na mesma posição – imóvel e aérea. Aproximei-me e perguntei-lhe o que se passava. Ela não conseguia falar. Mordeu os lábios e chorou. Com algum custo, depois de muito pranto, disse-me: “Os médicos estão lá dentro fazendo o último teste para confirmar a inatividade cerebral do meu filho de nove anos”. Silencie-me, até encontrar forças para orar com ela, que reapareceria duas horas depois, em mensagem de celular, confirmando o óbito. Entre gritos e silêncios, estou certo de que em 2024, para oprimidos em situação hospitalar, a ACASE constituiu-se verdadeira presença confortadora e portadora da boa-nova salvífica, a qual só é possível por meio de Cristo. Já pessoalmente, exercitar a missão da ACASE significou confrontar, à luz da verdade redentora, tudo o que há de desorientado, encardido e destroçado em mim. Eis o meu “grito”. Anderson OlivieriPresidente da Acase

A ACASE e a política

(Palavra do Presidente veiculada na edição nº. 5 do Jornal da ACASE) No mês de outubro, ocorreram eleições municipais em todo o Brasil, exceto em nossa Brasília. Por essa razão, muito embora o pleito paulistano –com o aparecimento de um candidato polêmico – tenha tomado o debate nacional, o assunto “eleições” não efervesceu no Distrito Federal. Isso, porém, não impediu a ACASE de ser cobrada em ações e posicionamentos políticos nem de ser alvo de ofertas de trocas de apoios. Nisto, não cedemos. Não apoiamos nomes. Somos entidade sem interesses político-eleitorais. É claro que a ACASE – como qualquer entidade ou cidadão – tem suas ações e posicionamentos políticos. Em relação às ações, ajudar um enfermo com a doação de um medicamento em falta nas farmácias públicas, como tantas vezes já socorremos em nossa Tenda do Acolhimento, é gratificante, mas melhor ainda é lutar por um sistema público de saúde de excelência; É bom alimentar um faminto, como realizamos por meio do programa Casa de Jairo, porém erradicar as causas da fome nos interessa bem mais; É maravilhoso presentear uma criança com um livro infantil, como fazemos semanalmente por meio do Ler é um remédio, mas nada se compara ao combate à evasão escolar de crianças e adolescentes. Todos esses exemplos de ideais são batalhas encampadas pela ACASE que se traduzem em ações políticas que devem ser perseguidas por qualquer cristão que ame o próximo. Nesse campo da política em sentido amplo, não participamos apenas das ações, dos ideais, mas também dos posicionamentos. Somos, por exemplo, pró-vida. Portanto, contrários ao aborto e à pena de morte. A dignidade humana – de todos os humanos – é também princípio inegociável para a ACASE. Não compactuamos com a tortura, a sexualização infantil, a violência doméstica, a descriminalização das drogas. Assim nos posicionamos nessas pautas políticas, para muitos entendidas como de “costumes”. Dito isso, considerando este Brasil tão polarizado, penso que é tempo de firmar as estacas da ACASE quanto ao seu distanciamento das batalhas eleitorais, deixando claro que os fundamentos da entidade estão no evangelho real, e não no evangelho politizado de nosso tempo, o qual tenta identificar a fé cristã com um programa político. Entendo – e esse entendimento estendo à associação – que nenhum projeto político centrado em uma pessoa pode reivindicar ser a expressão da vontade de Deus, dada a condição decaída da humanidade. Enquanto associação, somos, portanto, categóricos em dizer: agendas políticas, sim, nós temos. Políticos, não! E alegra-nos saber que há entidades cristãs com o mesmo zelo. Nesta edição, trazemos uma reportagem sobre o Dia das Crianças promovido pela ACASE em Sol Nascente, a maior favela da América Latina. Revelo aqui um bastidor desse evento. Em agosto, fui a essa comunidade para uma visita do programa Casa de Jairo. Vizinha à casa que me recebeu, percebi uma igreja com amplo estacionamento. Àquela altura, eu procurava um espaço que nos recebesse para o evento de outubro. Contatei o pastor responsável, oferecendo-lhe a festa das crianças. Sem rodeios, o pastor Luiz Pereira agradeceu a oferta e a recusou. O motivo: sempre que essas propostas lhe apareciam, por trás havia algum político local tentando tirar proveito. E ele não vendia o seu púlpito. Após ouvir a resposta do sério e íntegro pastor Luiz, tive certeza de que havíamos encontrado o local para o Dia das Crianças. Para a Assembleia de Deus Betuel, igreja é local de orar, adorar, evangelizar e chamar as pessoas para seguirem a Cristo. Este também é o chamado primário da ACASE, cuja Tenda não está à venda. Anderson OlivieriPresidente da ACASE

Amar ao próximo sem limites

(Palavra do Presidente veiculada na edição nº. 3 do Jornal da ACASE) Ao criar a ACASE, além de estabelecer sua missão, visão e valores, nós definimos seus limites. Nesse ponto, parecia-nos importante, por exemplo, restringir exclusivamente a ambientes hospitalares as assistências espiritual e social oferecidas pela entidade àquelas pessoas acolhidas por um de nossos voluntários. Outra demarcação foi geográfica. Delimitamos a atuação da ACASE a Brasília. Ou seja, fora do famoso quadradinho, qualquer acolhimento promovido por associado ou voluntário não teria a cobertura da nossa entidade. A definição de limites é importante. Traz ordem, estabelece foco e organiza ações. Mas limites não são princípios. Estes revelam a essência, o fundamento e o coração da instituição. Na nossa missão, visão e valores, estão impregnados os princípios da ACASE. É inegociável, para nós, o caráter de instituição comprometida com o cumprimento do segundo mandamento cristão, servindo ao próximo nos hospitais de modo a refletir Cristo (visão), bem como ter a simplicidade, o amor e o serviço de Cristo como valores. Isso é pétreo, imutável, só passível de desaparecimento com a extinção da própria entidade. Mas os limites, não. Eles se moldam e se transformam ao sabor do tempo e, sobretudo, da vontade de Deus para a ACASE. Um evento em junho último ilustra bem a variabilidade dos limites. Viajei a trabalho para Cristalina – GO. No segundo dia de reuniões, após concluir com o cliente, dirigi-me ao centro da cidade em busca de um local onde pudesse lanchar antes de pegar estrada para Brasília. Encontrei um simpático café. Estava vazio. Nele, somente eu e uma atendente bem-educada, que me serviu com gentileza. Mal comecei a comer, uma mulher entrou na loja. Ela trocou duas palavras com a funcionária e veio em minha direção, pedindo ajuda em dinheiro. Eu estava pronto para dispensá-la ao argumento de não dispor de nem um real na carteira quando ela emendou: “minha filha está com câncer”. A frase me imobilizou. Após alguns segundos, perguntei-lhe o nome e a convidei a se sentar. Amanda preferiu puxar a cadeira da mesa ao lado. Pedi à funcionária que a servisse com café e pão de queijo. A mulher disparou a falar: “Perder um filho é muito duro, já perdi um, sei como é, e devo perder o segundo, porque os médicos no Hospital da Criança em Brasília já desenganaram a minha filha”. Amanda não dava trégua no falatório, enquanto eu mais a olhava e ouvia do que me expressava. Só reivindiquei a palavra quando, após me dizer isso, ela emendou: “Mas Deus pode fazer um milagre, eu sei que pode”. Emocionado, eu disse a ela que, sim, Deus pode e que a vida do meu filho é prova disso. Contei à Amanda como enfrentara o câncer de Daniel e testemunhei o milagre vivido em casa. Curiosa por detalhes, ela me bombardeou de perguntas. Por fim, pediu para ver uma foto do Daniel. Ela sorriu ao conhecer o meu filho pela tela do celular. E chorou em seguida, dizendo que há muito tempo não vê no rosto da filha de dois anos um sorriso como aquele estampado pelo Daniel na imagem. “Ela passa o dia gemendo de dor, é uma doença muito cruel”, desabafou, limpando com a gola da camisa as lágrimas que corriam em profusão pelo rosto. Segurei ao máximo, mas não consegui conter a emoção. Choramos juntos, abraçados. E, em seguida, oramos pela garotinha. A pequena Heloísa luta contra um câncer no intestino, já alastrado por todos os órgãos da região do tronco. Amanda, a mãe, é analfabeta, tem outros quatro filhos e sobrevive do auxílio do governo federal. Precisa de ajuda para remédios, alimentos, transporte para o tratamento da filha em Brasília e amor – tudo ao alcance da ACASE, cujos limites – ensinou-me Amanda de Cristalina neste encontro providenciado por Deus – não são o perímetro de um hospital ou o quadradinho no centro do Brasil – mas o imperativo cristão do amor ao próximo. Bem-vinda, Heloísa. Que o bom Deus te abençoe. Anderson OlivieriPresidente da ACASE

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